FRANK E O AMOR — um YA para além do clichê da primeira página

Chocolatte com café
5 min readMar 7, 2020

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Arquivo Pessoal

Muito se escreve sobre o amor. As narrativas focam em casais, amigos, pais e filhos, mães e filhas, parceiros, companheiras, colegas…havendo relação é possível estabelecer um sentimento amoroso. Nos livros, escolhe-se uma das relações e explora naquele determinado recorte. Chamamos de unidade temática e com destreza o autor conduz a narrativa. Entretanto, David Yoon em seu livro de estreia — Frank e o amor — escolhe o caminho mais difícil: um slice of life sobre o amor enquanto sentimento ausente de classificação ou papéis delimitados. Ele escreve o amor em contextos variados, imbricados, complexos, leves, pesados, inconstantes, clichês, dentre outras possibilidades e adjetivos.

Vamos conhecer um pouco mais sobre esse livro que se revelou uma gratificante surpresa de leitura?

SINOPSE

Frank nunca conseguiu conciliar as expectativas de sua família tradicional coreana com sua vida de adolescente na Califórnia. E tudo se complica quando ele começa a sair com a garota de seus sonhos, Brit Means, que é engraçada, inteligente, linda… Basicamente a nora perfeita para seus pais — caso tivesse origem coreana também. Para poder continuar saindo com quem quiser, Frank começa um namoro de mentira com Joy Song, filha de um casal de amigos da família, que está passando pelo mesmo problema. Parece o plano perfeito, mas logo Frank vai perceber que talvez não entenda o amor — e a si mesmo — tão bem assim.

Fonte: Editora Seguinte

PERSONAGENS

A sinopse é clara e nos entrega uma fofa comédia romântica. Contudo, com a leitura e escolha [muito bem acertada, enfatize-se] dos ambientes nos levam a outras dimensões do universo de Frank Li. O momento final da adolescência é retratado com a importância que se deve e traz conflitos próprios da idade. Ainda que alguns leitores não estejam compartilhando os momentos, a leitura traz informações sobre os conflitos dos jovens e instiga o público mais ‘maduro’ sobre suas escolhas naquele momento e como elas refletem no que são/serão.

Frank é um personagem bem construído, assim como os demais. Com precisão, Yoon constrói um protagonista que questiona e ao mesmo tempo tem medo de avançar em suas indagações de forma ativa. A família, os amigos, a escola, as tribos, os hobbies, as despedidas, a separação, os silêncios e os sons — tudo é desenhado a partir do que Frank descobre como amor. A escrita em 1ª pessoa e a organização, em capítulos e partes, ajudam para que a narrativa seja fluída. A agilidade com que os conflitos se desfazem e refazem ajudam na imersão do leitor na história.

Ainda sobre os personagens, David Yoon deve ser elogiado e parabenizado pela construção das personagens femininas. Temos Joy, Brit, mamãe (s), Hanna, Evon… várias representações em suas complexidades e grandes contribuintes para que Frank não fosse mais um adolescente deslumbrado com os relacionamentos e a entrada no mundo adulto. Joy carrega consigo todas as facetas que gostaríamos de encontrar nas personagens femininas: decidida, consciente de si, reflexiva, assertiva e realista. A apresentação dela lembrou-me, cada uma em suas características particulares, a Eleanor (da Rainbow Powell) — duas grandes personagens que carregam em si o peso de suas escolhas sem delongas ou arrependimentos dramáticos. Algo que percebo muito nos jovens e pouco representado com segurança nas tramas (de TV e filmes, por exemplo).

AMBIENTES E TEMAS

Temas como preconceito racial, xenofobia, imigração, diferenças, tradições, cultura, papéis de gênero, tribos urbanas, conflitos de gerações, classe social…NOSSA! Listando até parece que estou escrevendo sobre temas ‘lacradores’ sem foco algum. É justamente neste ponto que reside a personalidade literária de David Yoon: apostando no ambiente e seus reflexos na vida dos personagens, acompanhamos um pedaço da vida de Frank em sua descoberta sobre o amor.

O autor não tem rodeios em expressar o quão preconceituosos são os pais de Frank, bem como a sociedade norte-americana com asiáticos, negros e latinos. Um dos momentos ímpares (são muitos no livro), Frank reflete sobre como cada um dos grupos étnicos é visto e definido dentro da sociedade. É cruel. Doloroso. Sua identidade se parte e ele não sabe mais quem é. Como também descobre que esse direito de ‘ser quem é’ muitas vezes é negado social e culturalmente de forma silenciosa — em todos os ambientes, sejam eles excludentes ou progressistas.

Imagem disponível no twitter da Editora Seguinte.

A escola, o lar, a cidade, o carro, os esconderijos, casa de amigos, shopping, cinema, lanchonetes…todo e qualquer ambiente no livro é parte construtiva do conflito. Não podem ser dissociados. É justamente nesse sentido que a narrativa nos aproxima tanto. Com Frank, somos levados a questionar nossos monstros e como eles podem afetar a nossa vida.

A ÁSIA A PARTIR DO LOCAL DE FALA DA 2ª GERAÇÃO

Perdido num lugar que registra-se como seu de nascimento, porém negado por toda forma de preconceitos e memórias familiares que o levam a outra direção, Frank não é coreano, nem americano. Nessa confusão de negativas de pertencimentos, sua ideia de representatividade é nula. Como alguém sem referencial, teme pela exclusão. Através da ‘boca’ da personagem, Yoon questiona a cadeia de preconceitos que se esconde por meio da máscara “asiáticos”.

Ei, internet, o que são asiáticos?

Eis o que encontrei: a definição de asiático varia a cada país. Nos Estados Unidos, são consideradas asiáticas as pessoas originárias de países do sudeste asiático como Camboja, China, Japáo, Coreia, Malásia, Tailândia, Vietnã etc. Até a década de 1980, Índia e Paquistão não eram considerados países asiáticos. Apesar de serem parte do continente asiático, países como Armênia, Geórgia, Chechênia e Turquia são considerados asiáticos” (YOON, 2019, p. 202–203).

CONSIDERAÇÕES

Mesmo que o romance nos cause “borboletas no estômago” pela fofura que se apresenta, ‘Frank e o amor’ nos mostra que precisamos estar numa busca contínua de descobrir o amor em cada parte da nossa vida. O livro é uma excelente pedida para quem busca por uma leitura leve que traz temas sensíveis presentes no cotidiano.

FICHA TÉCNICA

Título original: FRANKLY IN LOVE

Tradução: Lígia Azevedo

Páginas: 400

Lançamento: 30/10/2019

Selo: Seguinte

p.s: comprei o livro às cegas após tomar conhecimento do título através do perfil SEM SPOILER, no twitter. Procurei na Amazon e num ato sem muito pensar comprei na pré-venda. Até mesmo esqueci que havia adquirido. Só lembrei quando chegou kkkkkkkkkk

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Written by Chocolatte com café

Por aqui pretendo escrever sobre o que leio (livros e hqs), vejo (filmes, animações e kdramas) e ouço (muita música com um gosto eclético). Eu, Irla Costa.

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