TUNE IN FOR LOVE — quando o contexto tem mais a nos dizer que a narrativa principal

Chocolatte com café
5 min readNov 17, 2019

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Com atores carismáticos já conhecidos pelo público de kdramas e um roteiro fofo, a Netflix liberou mais uma produção original sul-coreana. A sinopse de Tune in for love é simples, logo de cara sabemos que não teremos plots twists ao longo do filme.

“Uma estudante e um adolescente enigmático se conhecem em uma padaria nos anos 90. Eles passam anos tentando se encontrar de novo, mas o destino parece ter outros planos.”

Fonte: Netflix (2019)

Sabendo dessa premissa e assistido a alguns vídeos compartilhados nas redes sociais, já imaginei Tune in for love como uma comédia romântica repleta de momentos ‘iti malia’ e sonhando com os encontros casuais vividos pelos protagonistas.

Contudo, ledo engano.

O filme mostra um excelente uso do ambiente e contexto para contar uma história além da narrativa principal. Conhecemos uma Coreia de ônibus lotados, estudantes amadurecendo, outros tentando encontrar seu lugar no mundo e adultos com suas escolhas questionáveis, isso tudo entre as avenidas, casas apertadas, ladeiras e uma exaustiva rotina de trabalho.

Elenco aqui 05 pontos que nos levam para uma narrativa paralela em Tune in of love:

1. Seul classe média baixa/pobre

Os takes de ônibus lotado, apartamentos pequenos, as ladeiras dos bairros populares, a vida dura entre os estudos e ajudar os pais com o pequeno negócio são apenas algumas das passagens que ilustram o cotidiano dos personagens.

A escolha dessas cenas complementam e trazem informações de um lado menos ‘glamuroso’ da capital da Coreia do Sul — por vezes tão exaltado nas produções televisivas e até mesmo nos mvs de kpop. Trazem a sutileza das frustrações e de como a rotina pode machucar. Além de ser a marca do gênero slice of life — gênero que incorpora aspectos da realidade à narrativas protagonizada por personagens nada heróicos.

O recorte do filme é justamente esse: somos jogados ao cotidiano de Mi Soo (Kim Go Eun) e Hyun Woo (Jung Hae In). A imersão é uma escolha ousada, pois leva o público a descobrir a narrativa junto com os personagens. Funciona como uma parceria de confiança construída entre as partes. Cabendo ao tempo rei decidir o desfecho.

Afinal, nem sempre a vida nos permite viver a plenitude dos nossos desejos e vontades.

2. Preconceitos sociais

A reintegração de alguém que já foi condenado legalmente é dura. Principalmente, num país que tem uma cultura enraizada nos valores éticos e morais como definidores de todas as escolhas da vida.

Não é fácil ressocializar. Muito menos ainda quando seu crime foi acidental e a sociedade julga como se fosse de caso pensado e sádico. Hyun Woo lida com o passado de maneira a querer apagá-lo de qualquer forma, pois sabe que a qualquer momento pode ter a sua conduta duvidada. A dor da busca do perdão e a fé de ser creditado o sufocam. Mesmo após ter cumprido a pena, a sensação existente é que AGORA o desafio começa. O esforço em parecer ser alguém “normal” sem a sombra do passado.

A impressão que tenho, quando assisto kdramas e filmes, com essa temática da‘reintegração de presos à sociedade’ é sobre o prisma de que os familiares das vítimas buscam algum tipo de compensação, seja em vida ou através da morte, para a dor que enfrentam. De acordo com a Agência de Notícias Yonhap, na Coreia do Sul a maioria das pessoas expressam suas opiniões sobre o cumprimento da pena a partir de prerrogativas como: devido a extrema dor e sensação de perda entre as famílias das vítimas, realização de justiça e prevenção ao crime.

Esse pensamento priva os ex-presidiários de qualquer possibilidade de segunda chance e até mesmo uma regeneração.

3. Regenerar-se

Hyun Woo luta entre o passado e o futuro, num presente que parece condená-lo. Seus amigos insistem em lembrá-lo que todos estão condenados. Já a realidade com Mi Soo e sua tia evidencia que é possível regenerar-se e resetar a vida. Ainda que seja muito jovem, uma coisa é certa: Hyun Woo quer ser livre. Livre do passado. Livre da marca ‘condenado’.

A vontade é de gritar para o mundo. Seus suspiros, a necessidade de viver o presente e a transparência em mostrar a sua honra expressam o desejo em ser aceito. Hyun Woo estuda, conclui a faculdade e trabalha. Ele faz tudo isso longe do passado acusador. Quando esses dois mundos se encontram, o esforçado personagem descobre que não está tão livre assim. O processo de regeneração é uma via de mão dupla: exige esforço próprio e validação do outro.

É nesse ato de aprovar que Hyun Woo vê a incerteza de que um dia poderá ser digno de confiança.

Nesse vai e vem entre o arrependimento e o perdão, o público é questionado sobre o que faria no lugar de Mi Soo que foi privada de informações sobre o parceiro e a reintegração de um ex-presidiário.

4. O que quero ser?

Mi Soo é a típica garota esforçada, criada com amor e quer retribuir tudo para a família. Quando confrontada entre o sonho e a realidade, por medo, escolhe o que dá segurança. Viver com o suficiente faz ter medo de ousar e seguir quando uma proposta ‘dos céus’ aparece.

Nesse ambiente seguro, Mi Soo tem contato com as frustrações do universo do trabalho operacional. A rotina e a repetição acabam com a sua autoestima. Fazendo-a escolher o caminho mais duro, por medo do futuro.

Tune in for love merece todo o destaque por expor as fragilidades do jovem ao entrar no mercado de trabalho sem romantizar e ao mesmo tempo possibilitar a esperança da mudança daquele quadro.

5. Evolução tecnológica dos meios de comunicação

A Coreia do Sul é notadamente conhecida por seu potencial tecnológico e inovação. Assistir uma produção que tem um programa de rádio como fio condutor da narrativa principal é nostálgico e surpreendente. Sem querer forçar um discurso entusiasta da tecnologia, em Tune in for love, o programa de rádio e suas transformações ao longo do tempo funcionam como um mediador das mudanças nas relações entre as pessoas. A dificuldade de comunicação entre os personagens expõem como o diálogo é importante e que os meios vem para aproximar. Quem separa e causa a discórdia, são as pessoas que o operam.

No jogo do afasta-aproxima, entre Hyun Woo e Mi Soo, é na tecnologia que eles se encontram. O rádio, e-mail, o celular e a plataforma de streaming os une — esta que conta com a faixa FIX YOU, do Coldplay, e nos leva a outra referência: a abertura da Coreia para os estrangeiros através da música.

Por fim, Tune in for love é um filme simples que cativa pelo excesso de cotidiano para construir uma história de amor com um quê de conto de fadas sem precisar apelar para cansativos clichês.

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Written by Chocolatte com café

Por aqui pretendo escrever sobre o que leio (livros e hqs), vejo (filmes, animações e kdramas) e ouço (muita música com um gosto eclético). Eu, Irla Costa.

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