VOICE OF SILENCE: um thriller policial que mexe com a perspectiva ética do público
No último dia 09 de fevereiro, aconteceu o 41º Blue Dragon Film Awards — uma das grandes premiações do cinema sul-coreano. Entre os filmes indicados nas categorias principais — novo diretor e melhor ator — estava Voice of silence 소리도 없이 (2020) (sem título em português). Um filme do circuito alternativo ‘indie’ que conta com um grande nome da atuação protagonizando — Yoo Ah In. Vem comigo e saiba o que achei do filme!
Sinopse
Dois homens trabalham para uma organização criminosa para ‘limpar’ a bagunça. Um dia, eles recebem um inesperado pedido.
*Tradução livre da sinopse disponibilizada no IMDb
ATÉ QUE PONTO SOMOS BONS E/OU MAUS?
Um roteiro à primeira vista simples que mexe com as nossas emoções. Tae In e Chang Bok são pessoas que para sobreviver se submetem a qualquer tipo de emprego. Logo na primeira cena, os dois parceiros estão numa feira livre vendendo ovos num caminhão. O que já demonstra uma renda mínima para viver. Em seguida, corta para eles limpando uma cena criminal totalmente alheios à motivação do fato. Tal sequência diz muito sobre o paralelo que conduz o conflito do roteiro.
Chang Bok é um homem simples e com um problema na perna. Na sociedade sul-coreana, homens com deficiência são impedidos de servir obrigatoriamente às forças armadas nacionais. O que já indica um potencial ‘excluído’ social. Já o Tae In é um jovem que não fala e não sabemos propriamente o motivo. Temos somente uma cena que o Chang Bok explica que ele tem um problema na garganta. Uma observação mais atenta e particular: o Tae In apresenta alguns traços característicos do espectro autista, como: dificuldade de comunicação, compreensão do sentido literal, não retribui sorrisos e é antissocial.
Retomando a leitura do perfeccionismo, que ronda a sociedade coreana e resplandece na busca pela beleza, resultados acadêmicos e posição social, podemos inferir que a imagem de dois homens imperfeitos corroboram com as diversas nuances dos personagens principais. Os erros que eles cometem são ‘perdoados’ mediante a exclusão e a situação que se encontram naquele contexto.
Chang Bok e Tae In complementam a renda financeira com um trabalho nada convencional. A ignorância de ambos sobre os crimes que acontecem ali, focados no dinheiro que vão receber e na purificação dos pecados, seus e do defunto, torna-os demasiadamente humanos — que dificulta o nosso julgamento com a mesma régua moral e mesquinha do bandido x mocinho.
É nesse ponto HUMANÍSTICO que a roteirista e diretora Hong Eui Jeong prende o telespectador em reflexões sobre o que nos torna GENTE. Até mesmo a criança apresenta traços dúbios. A partir do momento que a garotinha se vê envolvida numa teia difícil de escapar, ela resolve se entregar ao lado lúdico e desenvolve um mundo mais leve de viver em meio ao caos. Foi na frente dela que Chang Bok e Tae In tiveram um dos diálogos mais emblemáticos do filme:
Ao pontuar o gênero e o preço do resgate, a narrativa ativa no público qual é o fio condutor que guiará a interpretação das atitudes ali representadas.
CONSIDERAÇÕES
Voice of silence é um “criminal thriller” nada comum, ainda que tenha o ambiente e personagens típicos, mas que parte do caráter dos sujeitos atuantes para desenvolver a narrativa. Não espere um roteiro linear com final redondinho. Desculpe o spoiler. Porém, o filme traz a essência do cinema asiático em mexer com as emoções e questionar nossas ‘certezas’ morais. O próprio Yoo Ah In em seu discurso de agradecimento pelo prêmio comenta sobre esse aspecto:
“The work given by director Hong Eui Jeong made me think about my original intentions as an actor. There were many dangerous elements, too. Because it was very low budget, I was worried about the difficulties in the shooting site and whether the quality of the film can be guaranteed or not. But the most valuable thing for me in filming this work is the novelty and ethical awareness of director Hong Eui Jeong. What should we do through the medium of film?”
*Tradução em inglês disponível no Yoo Ah In Sikseekland
Tradução livre: O trabalho da diretora Hong Eui Jeong me fez pensar nas minhas intenções originais como ator. Havia muitos elementos perigosos, também. Por ser um orçamento muito baixo, fiquei preocupado com as dificuldades no local de filmagem e se a qualidade do filme seria garantida ou não. Mas, o mais valioso para mim, ao filmar este trabalho, é a novidade e a consciência ética da diretora Hong Eui Jeong. O que devemos fazer por meio do filme?
BÔNUS
[Meu momento fangirl]
O Yoo Ah In conquistou o seu segundo Blue Dragon como melhor ator interpretando um personagem único que não tinha uma única frase em todo o filme. Assim, foi creditado como o PRIMEIRO ator a conquistar o prêmio por atuar sem uma única fala no filme. E a estreante diretora Hong Eui Jeong conquistou o prêmio em duas categorias importantes: melhor roteiro e nova diretora.
Em seu discurso de agradecimento pelo prêmio, Yoo Ah In demonstrou a sua confiança no roteiro e na direção. Além de se entregar por inteiro aos cuidados da equipe para proporcionar a melhor experiência no papel que lhe foi dado. ATOR.
“I was so happy to work with someone who knows what she wants to do with her films. I’m ready to be used as an actor, anywhere by anyone. Use me to your heart’s content. I’ll continue to live as an actor”
*Tradução em inglês disponível no Yoo Ah In SikSeekland
Tradução livre: “Fiquei muito feliz em trabalhar com alguém que sabe o que quer fazer com seus filmes. Estou pronto para ser usado como ator, em qualquer lugar, por qualquer pessoa. Use-me para o conteúdo do seu coração. Vou continuar a viver como ator.”
Orgulho, né?!
